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quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Esses desprezíveis invertebrados


13/8/2008


Por Arthur Soffiati


Já se sabe muito bem que extinção de espécies de todos os reinos não é novidade. David Raup costuma dizer que, de todas as espécies criadas pela natureza, apenas restou 1% na atualidade. E, brincando, ele completa: portanto, a vida está extinta. Claro que só pode ser brincadeira para provocar o público em início de palestra. O planeta não comportaria todas as espécies que já o habitaram num só tempo, digamos, na atualidade.
Se não chegássemos ao ponto em que chegamos quanto à capacidade de agredir a natureza, talvez espécies continuassem a se extinguir e a se formar naturalmente. A seleção natural seguiria normalmente seu curso. Mas nosso arsenal interfere mesmo no processo de seleção. Fazemos mudanças genéticas nas espécies e criamos novas, no que se chama de seleção artificial. Criamos condições para mudanças em microorganismos e extinguimos espécies que continuariam existindo se não interferíssemos em suas casas e em suas vidas.
Defensores da natureza e do patrimônio cultural, impotentes diante da capacidade de fogo do mundo ocidental e ocidentalizado pós-revolução industrial, adotaram a política do álbum de fotografia: registram o que podem para deixarem álbuns que folheamos mais tarde melancólicos pelo que perdemos. São recentes as listas dos órgãos mundiais e nacionais de espécies extintas ou ameaçadas porque só recentemente algumas pessoas lúcidas perceberam que o desenvolvimento clássico é incompatível com a biodiversidade.
Em junho deste ano, o IBGE lançou um mapa sobre os invertebrados extintos e ameaçados de extinção, com base na nova lista oficial divulgada em 2005. A área brasileira em que os invertebrados correm mais risco é a Mata Atlântica. Os Estados em que a situação se mostra mais grave são, por ordem, São Paulo (46), Rio de Janeiro (41), Minas Gerais (35), Espírito Santo (24) e Bahia (24).
Estes dados são sintomáticos e de forma alguma casuais. A Mata Atlântica é um dos biomas mais importantes do mundo em biodiversidade, mas também um dos mais ameaçados. Do total estimado que ele apresentava em 1500, restaram apenas 7%. Os fatores da sua destruição foram o desmatamento, a agricultura, a pecuária, a industrialização e a urbanização. Sintomático é também que o estado mais industrializado e urbanizado do Brasil – São Paulo – esteja na liderança da destruição. Neste torneio Rio-São Paulo, o Rio de Janeiro ficou como vice-campeão. Vêm, depois, Minas Gerais e Espírito Santo, todos quatro estados que formam a Região Sudeste, a mais “desenvolvida” do país. Por fim, a Bahia, o estado do Nordeste mais sudestino de todos.
Da lista, quatro invertebrados já são considerados extintos: a formiga Simopelta minima, a libélula Acanthagrion texaense, a minhoca-branca (Fimoscolex sporandochaetus) e o minhocuçu (Rhinodrilus fafner). Os cientistas explicam que o fator mais forte para o desaparecimento destas espécies é a destruição dos seus hábitats. Mas, quando olhamos a lista e verificamos que vinte espécies de borboletas e uma de mariposa sofrem grande ameaça, cabe indagar se, além da destruição do ambiente, a retirada destes animais de suas casas também não estaria concorrendo para a extinção. Embora proibida, a indústria de ornamentos com asas de borboletas continua em atividade.
Em tempos do Programa de Aceleração do Crescimento, quem se interessa por invertebrados? Será que Lula, Dilma Roussef, Mangabeira Unger, Blairo Maggi e tantos outros vão se interessar por estes bichinhos desprovidos de esqueleto interno, bonitinhos uns, nojentos outros, assustadores outros mais? Claro que não. Primeiro os humanos ricos; em seguida, os humanos pobres; depois, nossos parentes vertebrados. Para os invertebrados, o chinelo e os inseticidas.
Nossa ignorância é muito maior que a dos povos nativos de economia simples. Eles sabem que os invertebrados são polinizadores, decompositores e alimento para outros animais. Eles sabem intuitivamente que os humanos e os vertebrados não viveriam por muito tempo na ausência dos sem-esqueleto. Mais que belas florestas, rios e lagoas cristalinos, maravilhosas paisagens, as bactérias, os protozoários, os fungos, as plantas e os invertebrados é que fazem o planeta funcionar.

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